Um estudo de uma universidade britânica indicado pelo The Guardian sugere que 70% das mulheres e 54% dos homens mudam de sexo no metaverso. Afinal, descobre-se agora que o estudo não é válido. Mesmo se a troca de sexo é de fato uma realidade, nos mundos virtuais e jogos online, o comportamento ocorre por outras razões. E ainda não é nenhuma novidade para ninguém.
A jornalista do the Guardian, Jess McCabe, acho que tinha descoberto um grande "furo" de matéria. Dois psicólogos da universidade britânica de Nottingham Trent afirmavam, baseando-se em uma sondagem efetuada no âmbito de um estudo, que 70% das mulheres criavam personagens masculinos online, para escaparem dos comentários sexistas de jogadores masculinos e à indiferença dos criadores de jogos, que desenvolvem personagens estereotipados: brancos, masculinos e heróicos. Segundo McCabe, os personagens femininos são raros e quando surgem são, em regra, passivos e extremamente sexualizados.
A jornalista parece desconhecer a realidade dos atuais jogos online, onde por regra os jogadores podem escolher entre personagens femininos e masculinos com a mesma facilidade, mesmo que, verdade seja dita, as figuras femininas sejam normalmente bem dotadas. Mas essa é uma opção não só dos criadores mas também dos usuários, como descobrirá quem se aventurar em universos como o Second Life, onde os habitantes podem modificar os seus próprios avatares. Ali, tanto homens disfarçados de mulheres, como mulheres disfarçadas de homem, incham os peitorais, afinam a cintura e arredondam o bumbum. Depois escolhem uma animação que permita movimentar tudo isso num jogo de sedução.
Perseguição sexual
A própria jornalista, ainda debruçando-se sobre o estudo, indica que o mesmo abordou os jogos online, onde é possível escolher o avatar, incluindo idade, forma, raça e gênero. E pergunta como é que as mulheres, com tantas escolhas possíveis, decidem vestir a pele de um homem, com mais facilidade do que os homens vestem a pele de mulheres? Apesar de poder questionar-se a validade da própria pergunta, dado que uma viagem pelos mundos online revela que muitos homens aproveitam essa viagem virtual para experimentarem o seu lado feminino, a questão de Jess McCabe servia para lançar o resultado da investigação.
Segundo os psicólogos, uma das razões para essa mudança era exatamente a perseguição sofrida pelas mulheres nos metaversos. E os números lá estavam para o confirmar: 70% das mulheres questionadas afirmaram mudar de sexo online, contra somente 54% dos homens. Em entrevista ao jornal The Guardian, Zaheer Hussain, um dos autores do estudo, disse que os homens mudam de sexo para poderem namorar e experimentar outras facetas da sua personalidade, e que as mulheres o faziam para não serem importunadas e por acharem que personagens masculinos eram bem melhor tratados.
Estudo revela ignorância
O co-autor da obra, o professor Mark Griffiths, adiantou que "nas nossas vidas reais existem limites e regras, mas nestes mundos sintéticos as pessoas podem explorar aspectos da sua personalidade, que não poderiam de outro modo". O estudo, intitulado "Gender Swapping and Socialising in Cyberspace" (Mudança de Sexo e Sociabilização no Cyberespaço) foi publicado no jornal CyberPsychology and Behaviour.
As primeiras suspeitas sobre a validade do estudo vieram de pessoas associadas à criação de estruturas no Second Life. No seu blog na Internet, Giff Constable, da The Electric Sheep Company, alertava para o que considerou uma "idiota tentativa de pesquisa" salientando que o estudo revelava, mais do que qualquer outra coisa, "o nível de excelência acadêmica que os autores pretendem atingir".
Confrontados com as críticas, os autores assumiram terem tido de fato alguns problemas com a sondagem: limitado número de participantes e a incapacidade para saber se as respostas eram corretas. Desconfiava-se até se os pesquisados tinham mesmo o sexo que afirmavam ter. Mas a análise mais critica do estudo vem de Richard A. Bartle, no seu blog Qblog. Bartle é, saliente-se, uma sumidade na área. Escritor e investigador do universo de jogos, é conhecido por ser o co-autor de MUD (Multiple-User Dungeon), o jogo pioneiro de todos os mundos virtuais atuais. Para Bartle, a questão é simples: se é tão mau ser uma mulher online, por que razão é que tantos homens vestem uma pele feminina nos mundos virtuais?
Mau e 15 anos atrasado
O investigador critica o estudo afirmando que não é nenhuma novidade, mesmo se a cobertura do The Guardian o tornou um objeto noticioso. Para Bartle, o fato dos autores pensarem estar explorando um território virgem é um sinal da sua ignorância. E remete para o estudo publicado por Amy Bruckman, em 1993, "Gender Swapping on the Internet" (Mudança de Sexo na Internet), e para um documento chave nessa pesquisa, "Mudding: Social Phenomena in Text-Based Virtual Realities" (Mudding: Fenômeno Social em Realidades Virtuais Baseadas em Texto), de Pavel Curtis, afirmando que há décadas o assunto é estudado.
No longo texto publicado, em seu blog, Richard Bartle traça todo o percurso da investigação séria em torno do tema e acaba por afirmar que este estudo reflete o que sucedeu em meados dos anos 90, quando pessoas sem qualquer conhecimento dos mundos virtuais, ou compreensão do fenômeno, conduziram sondagens e publicaram resultados muitas vezes devastadores, desaparecendo logo de seguida. Bartle afirma que os especialistas não lhes ligaram muito, mas que os jornalistas se mostraram contentes por explorar essa informação errônea e comentar aquilo que deviam ter deixado para trás. E lamenta que, 15 anos mais tarde, se assista o mesmo espectáculo.
Apesar dos números do estudo estarem errados, a verdade é que homens e mulheres mudam de sexo nos mundos virtuais - e no Second Life é só um de muitos locais onde o comportamento se efetiva. Richard Bartle diz que o que parece escapar, a quem está de fora, é a razão efetiva porque o fazem. Segundo ele, os investigadores do fenômeno há muito tempo sabem a resposta. A verdadeira razão porque as pessoas mudam de sexo online... é porque podem!
Escrito por José Antunes, para o Expresso Clix.
Publicidade:
Nenhum comentário:
Postar um comentário