quarta-feira, 5 de março de 2008

Comportamento online: Quando eles fingem que são mulheres para jogar

Quem são e o que pensam os gamers brasileiros que criam personagens femininos para participar de jogos online.

“Oi, tudo bom? Quantos anos você tem?”, pergunta um Orc verde e grandalhão a uma bela elfa loira. “Vinte e dois”, ela responde. O papo começa casualmente também no mundo dos games virtuais, só que, aqui, geralmente termina em uma ajuda para terminar uma missão, uma doação de itens raros e um punhado de moedas de ouro.

Felipe luta com avatares mulheres para aumentar a raiva do perdedor

Quem conhece bem o universo dos Massive Multiplayer Online (MMOs) – jogos em que você cria um personagem e entra em um servidor onde mais 200 mil pessoas estão conectadas – sabe que somente 15% dos jogadores são, realmente, mulheres, segundo dados de uma pesquisa realizada pela Universidade de Stanford, nos EUA. Logo, entende (ou desconfia) que o mais provável é que, por trás daquela bela espécie de elfa, haja um cara barbudo controlando as teclas do PC.

Em um mundo tão masculino há bastante espaço para confusões de gênero e flertes, que com freqüência resultam em enrascadas e situações embaraçosas. Em entrevista ao Link, alguns jogadores brasileiros contam por que decidiram assumir sua parcela feminina.

“Os homens criam personagens femininos por vários motivos. Primeiro porque, se todos criassem avatares masculinos, o mundo (dos games online) seria infestado de meninos e isso seria muito cruel e tedioso”, diz Elton Penella, 25 anos, analista de Administração e Controle, que criou uma menina para homenagear a filha da namorada. Outra razões são agradar os (próprios) olhos, quebrar regras e, embora Penella não tenha dito isso, tirar alguma vantagem.

“Pessoalmente, acho a anatomia feminina bem mais bonita, enche meus olhos”, afirma o designer de games Fábio Florêncio, de 27. O problema é que Florêncio resolveu assumir mais do que apenas um personagem e acabou por viver uma vida dupla por dois anos e meio.

“Sempre perguntavam meu nome, sexo e idade. Em uma dessas situações, decidi fazer algo diferente para ver no que dava e respondi: Juliana/feminino/23. Então combinei com os meus amigos e, sempre que alguém pedia informações sobre minha personagem, eles faziam comentários de como ‘ela’ era legal e, principalmente, bonita fora do jogo”.

A personagem de Fábio se tornou familiar entre os jogadores e rapidamente ficou famosa.“Não demorou muito para que minha caixa de correios ficasse abarrotada de presentes. Quando eu precisava de ajuda para uma missão mais difícil, muitos ‘cavalheiros’ se propunham a ajudar”.

Entre uma mentirinha e outra, Fábio fez grandes amizades e passou por alguns perrengues para conservar sua faceta feminina, como colocar a irmã para falar, quando era necessário o uso de voz, criar um e-mail especial e arrumar fotos falsas. “Se eu falasse a verdade, perderia amigos virtuais e credibilidade”, diz.

Apesar de conhecer os benefícios de ser uma menina no jogo, Fábio afirma que não foi isso que o fez criar um avatar feminino. “Foi algo como ser arrastado pela correnteza, mas os benefícios trazidos acabaram por justificar a farsa”.

Penella concorda que personagens garotas ganham uma atenção extra. “Na maioria das vezes, o pessoal respeita muito e dá uma atenção especial, ajuda nas missões, esclarece dúvidas. E tem aquele tipo que já arrasta a asa para cima”, ri.

Gustavo Iemes, 22 anos, empresário, sentiu o gosto de estar do outro lado da história. Quando jogava Ragnarök Online aos 15 anos foi enganado por um sujeito: “Ele me disse que era uma menina e pediu minha ajuda, tinha até MSN com foto falsa. Nos dávamos muito bem, era até perfeito demais”, conta.

Ele descobriu a maracutaia de modo brusco: um dia tentou acessar sua conta e descobriu que a tal “menina’ havia roubado seu dinheiro virtual, seus itens e tinha apagado todos os seus personagens. “Cheguei até a tentar conversar com ele, mas ele me destratou. Hoje parto do princípio de que todos são homens e trato-os de forma igual. Mas sempre vai ter alguém que vai cair no conto da menina que joga”, conta.

Felipe Monteiro, 22 anos, administrador, revela por que decidiu encarnar uma menina ao participar de jogos online: “No jogo as mulheres possuem a mesma destreza física que os homens, não há diferença entre os sexos, e, mesmo assim, a maioria dos homens liga o avatar feminino ao ser feminino real e, portanto, acha que ele é mais frágil. Sempre gostei de criar personagens meninas para duplicar a raiva do perdedor”.

FALAR A VERDADE

Os três entrevistados que possuem personagens femininos concordam que os games online são ótimos lugares para fazer amigos e criar vínculos, mesmo que travestido no sexo oposto. “Existe o fator social, que se assemelha ao mundo real, pois todos queremos ser reconhecidos e amados”, pondera Fábio.

"No entanto", afirma Elton, “apesar de ter todo o direito de criar um personagem feminino, não faça teatro e nem se aproveite dos outros jogadores porque um dia a casa cai”. Fábio que o diga, pois teve de sair foragido do servidor. Continua jogando como menina, mas garante ter recomeçado “minha rede de contatos da maneira certa: falando a verdade”.

Por Flávia Gasi, do Link.Estadão.
Publicidade:

Nenhum comentário: