sábado, 3 de março de 2007

Philip Rosedale: o dono do universo

Como o americano criador do Second Life, um mundo virtual que abriga mais de 4 milhões de pessoas na internet, transformou seu empreendimento no grande 'boom' do momento


Em 1999, o físico americano philip Rosedale tinha apenas um escritório montado em cima de uma garagem e o sonho de construir um mundo com possibilidades ilimitadas. Hoje, algumas pessoas o chamam de VG, sigla em inglês para Virtual God, ou Deus Virtual. Ele é o dono de um universo de tamanho infinito, que abriga mais de 4 milhões de pessoas e gera uma riqueza de US$ 10 milhões por mês. Rosedale é o criador do Second Life (Segunda Vida, em inglês), um mundo paralelo que só existe na internet. E está em expansão. O Brasil é o quarto país do mundo em número de usuários, cerca de 200 mil. Está atrás dos Estados Unidos, da França e da Alemanha. O Second Life parece um jogo como o The Sims - um ambiente em terceira dimensão habitado por personagens digitais. Mas no The Sims você brinca sozinho. No Second Life, seu alter ego virtual, chamado avatar, interage com os personagens de outros internautas. Você passeia, conversa, compra, namora ou ganha dinheiro. Como se fosse uma vida de verdade, só que na internet. Rosedale criou esse mundo em sua cabeça. E, após seis anos de existência, o Second Life tornou-se um fenômeno. "Não construí um jogo, mas uma nação", afirma. "Provei que a vida virtual pode ser tão fascinante quanto a real."


O sucesso do Second Life garantiu a Rosedale uma posição de destaque no Vale do Silício, região que concentra a nata das empresas americanas de tecnologia. Aos 38 anos, ele sobressai ainda mais por assumir abertamente o que muitos empreendedores da internet adoram esconder. "Sou um típico nerd", afirma. "Minha infância e adolescência não foram marcadas por futebol ou garotas, mas por computadores." Filho de uma professora de inglês e de um piloto de navios de carga da Marinha, Rosedale se divertia consertando os aparelhos eletrônicos de sua casa. Diz que, aos 16 anos, construiu um sintetizador musical. Ganhou o primeiro computador - um Apple II - quando cursava o equivalente à 5a série em San Diego, nos Estados Unidos. Gostou tanto da máquina que se tornou programador. Uma de suas primeiras criações foi um protetor de tela que fazia árvores crescer no monitor do Apple. "Ali, eu percebi que podia simular a natureza dentro do PC."

A paixão por tecnologia fez Rosedale abrir uma empresa de software ainda adolescente. Ele diz que, aos 17 anos, começou a criar bancos de dados para empresas. Um ano depois, entrou no curso de Física da Universidade da Califórnia, em San Diego. Lá, entrou em contato com a internet. E teve a idéia que se tornou o embrião do Second Life. "Quando aprendi que a internet permitia a comunicação entre vários computadores, pensei que poderia criar um ambiente de realidade virtual no computador", afirma. "Para simular o mundo na rede."

Mas a idéia não saiu do papel. Naquela época, em meados de 1995, a web era uma ferramenta restrita às universidades e ao Exército americano. Não tinha a abrangência e a importância de hoje. Nem as qualidades técnicas. Os acessos à rede eram feitos por linha discada, o que, do ponto de vista técnico, significa qualidade e velocidade baixas. Devido à falta de infra-estrutura, projetos de realidade virtual eram considerados obras de ficção científica.

Diante da dificuldade, e depois de receber o conselho de um amigo da faculdade, Rosedale abandonou a idéia da realidade virtual e foi trabalhar com vídeos. Ele criou uma tecnologia para comprimir filmes e teve a idéia de desenvolver um software para fazer videoconferências na internet. Eram tempos em que quase ninguém possuía webcam. "Tive sorte de vislumbrar um mercado novo", diz Rosedale. Sua empresa, a FreeVue, atraiu a atenção de Rob Glaser, presidente da RealNetworks, uma das principais empresas mundiais de entretenimento digital. Após um mês de negociações, a RealNetworks comprou a FreeVue. E Rosedale tornou-se o chefe de tecnologia da empresa. Ele passou a criar produtos de entretenimento para a RealNetworks, como as novas versões do RealPlayer e do RealVideo.

Àquela altura, a idéia do Second Life tinha praticamente se perdido. Rosedale imaginava que iria seguir carreira na RealNetworks e que só trabalharia com realidade virtual se saísse da empresa. Foi quando ele recebeu uma ajuda inesperada, vinda da ficção. Em dezembro de 1998, ganhou de presente da mulher o livro Snow Crash (Acidente na Neve, não-editado em português), do escritor americano Neal Stephenson. No livro, o autor cunhou o termo Metaverse para nomear um universo virtual paralelo que iria suceder à web. No Metaverse, as pessoas interagem na rede do mesmo jeito que na vida real. Rosedale diz que sua vida mudou a partir desse livro. "Concluí que o Metaverse era a síntese das minhas fantasias de infância", diz. "E que esse ambiente poderia ser criado no futuro. Na ocasião, disse a alguns amigos que eu iria trabalhar nisso. E que eles esperassem alguns anos para conhecer minha versão do Metaverse."

Os amigos de Rosedale não tiveram de esperar tanto. Seis meses depois, ele pediu demissão da RealNetworks e contratou o amigo de faculdade Andrew Meadows, um especialista em gráficos em três dimensões. Mudou-se para Linden Alley, uma cidadezinha vizinha a São Francisco, e fundou a Linden Lab. Como tantos empreendimentos da internet, funcionava em cima de uma garagem de uma oficina mecânica. Rosedale pegou as economias de US$ 1 milhão - que juntou com a venda da FreeVue e os bônus da RealNetworks - e botou o Second Life no ar.

"Foi uma idéia estúpida", diz Rosedale. "Achava que todos os capitalistas do mundo iriam investir em mim. Eu era inteligente, competente, tinha boa formação e espírito empreendedor", afirma. "Mas não consegui convencer ninguém." Os primeiros fundos de investimentos que ele procurou diziam que combinar gráficos em 3-D, multimídia, banda larga e colaboração dos usuários era inviável. E que não financiariam uma invenção "para loucos e nerds".


Sem dinheiro, os seis primeiros anos de vida do Second Life foram de marasmo. A invenção só começou a se tornar uma febre quando Rosedale decidiu, no fim de 2005, que seu universo teria uma economia. "Percebi que, num ambiente desses, as pessoas poderiam vender coisas e ganhar dinheiro. E, se tal coisa acontecesse, eu podia cobrar uma comissão por isso", afirma. A partir daí, os investidores começaram a acreditar na idéia. O primeiro a investir foi Mitch Kapor, fundador da Lotus. Logo depois vieram Jeff Bezos, da Amazon.com, e Pierre Omidyar, do eBay.

A economia própria tornou o Second Life um símbolo de inovação. Rosedale criou uma moeda imaginária, o linden dollar, e o atrelou à cotação do dólar de verdade. Cada usuário compra lindens com seu cartão de crédito real. Dentro do Second Life, as transações são feitas com essa moeda. Quem ganha algo pode fazer a troca da moeda no fim do dia. Hoje, US$ 1 real vale aproximadamente 270 lindens. A Linden Lab ganha dinheiro vendendo terrenos virtuais vazios. Cada metro quadrado de "terra" custa 4 centavos de dólar. Com um custo tão baixo, empresas como Adidas, Nike, Toyota e Apple abriram lojas no Second Life e aproveitam o mundo virtual para promover ações de marketing. A IBM faz reuniões com funcionários lá. Até o governo da Suécia abriu uma filial virtual de sua embaixada no Second Life.

Rosedale se tornou uma das pessoas mais influentes do mundo da tecnologia. A expectativa é que ele apareça como o mais novo bilionário da internet no ranking deste ano da revista Forbes. Mas a Linden Lab ainda não é uma empresa lucrativa. "Somos uma empresa pequena, de 140 funcionários, diante de uma oportunidade gigantesca", afirma. Ele espera que a empresa entre no azul até o fim do ano. É o último degrau que falta para que o Second Life deixe de ser apenas uma grande idéia e se torne um excelente negócio.



O PASSO-A-PASSO DE UMA IDÉIA VITORIOSA

Fundador do Second Life, Philip Rosedale conta como se tornou um dos maiores fenômenos de empreendedorismo da economia virtual
1- "Abri minha primeira empresa aos 17 anos. Eu criava bancos de dados para empresas, colocava computadores nos carros, bolava programas para escritórios de arquitetura, coisas assim. Depois da faculdade, abri um escritório perto do Vale do Silício. Lá me aproximei das pessoas que estavam lançando os primeiros provedores de acesso à internet do mundo."
2- "Quando descobri que a internet tornava possível se comunicar com vários computadores, pensei que seria possível simular nela um mundo paralelo. Criar uma realidade em que todos pudessem viver dentro do computador. Para funcionar, esse mundo paralelo tinha de ser sexy, divertido e rápido como a vida real. Ou seja, como se fosse um grande videogame."
3- "Mas, na metade dos anos 90, era impensável ter gráficos em três dimensões nos PCs. Havia pouca banda disponível para se conectar com a rede. Então, eu comecei a estudar padrões de compressão de gráficos e vídeos. Eu queria colocar o rosto das pessoas na web. O presidente da RealNetworks, Rob Glaser, viu essa tecnologia, gostou e comprou minha empresa."
4- "Na RealNetworks, aprendi a trabalhar como gente grande. Eu precisava ganhar experiência, trabalhar com outras pessoas. E aprender como elas criavam, juntas, tecnologias de sucesso. Fiquei três anos na Real e resolvi sair para materializar meu sonho: criar um mundo paralelo que fosse alimentado pela contribuição das pessoas."
5- "Assim nasceu o Second Life. No começo, confesso que foi a mais estúpida idéia de todos os tempos. Investi US$ 1 milhão do meu bolso para criá-lo. Mas, assim que ele foi lançado, em 1999, todo esse dinheiro começou a ir para o ralo. Eu achava que todos os investidores do mundo iriam investir em mim. Mas não consegui convencer ninguém de que o Second Life fazia sentido."
6- "Sem dinheiro, os seis primeiros anos do Second Life foram de marasmo. Pensei em desistir em 2003. Só não o fiz porque eu me divertia um bocado com ele, era algo que me dava prazer. Crescíamos na base do boca a boca. Os usuários começavam a construir coisas no Second Life, mas os investidores ainda achavam que eu devia transformar aquilo num videogame."
7- "Eu me recusava a transformar o Second Life num jogo comum. Mas um investidor me disse que eu precisava encontrar uma maneira de tornar minha invenção valiosa. Depois de pensar um pouco, cheguei a uma solução. Disse para os usuários: tudo o que você criar no Second Life é seu. Não pertence a mim. É sua propriedade intelectual."
8- "A partir daí, distribuí aos usuários uma moeda virtual. E eles começaram a fazer transações como no mundo real. Percebi que, num ambiente desses, as pessoas poderiam abrir empresas, vender coisas e ganhar dinheiro. E, se isso acontecesse, eu poderia cobrar uma comissão e sustentar o negócio. Houve um grande barulho. E os investidores passaram a acreditar em mim."
9- "Consegui levantar algum dinheiro e voltei a me empolgar. Acredito que uma economia virtual é um processo irreversível. E as pessoas se tornam mais transparentes quando estão on-line. É mais fácil contar a verdade a um amigo no Second Life que cara a cara. É no que eu acredito. Um empreendedor precisa acreditar em suas idéias e levá-las em frente. No final das contas, foi o que fiz."
10- "O Second Life é a realização de um sonho. Imagino Nova York, por exemplo, como um museu. É um lugar incrível para visitar, mas, no futuro, vai se tornar um lugar ruim para trabalhar. O trabalho criativo, aquele em que você se conecta com outras pessoas, em que precisa de colaboração, não vai mais acontecer no mundo real. Já está acontecendo no virtual. É mais fácil e eficiente."

por Eduardo Vieira
da Revista Época

2 comentários:

Anônimo disse...

comu todos os empreendedores de internet esse kara teve muitas dificuldades mas vamus combinar aki o kara eh um genio !

Debora Perenti disse...

Apoiado e com louvor meu amigo! ;)