quarta-feira, 19 de março de 2008

Para 'jornalista virtual', Second Life não morreu

Autor de livro sobre o universo virtual diz que programa passa por fase de adaptação. 'Os Bastidores do Second Life' teve lançamento simultâneo no Brasil e nos EUA.

Pergunte por Wagner James Au aos usuários do universo virtual Second Life. A resposta mais provável à sua pergunta será um estrondoso “quem?”. No entanto, basta citar o apelido de Wagner – Hamlet Au – e com certeza a maioria das pessoas saberá de quem você está falando. Afinal, Hamlet Au – um avatar (representação virtual de um usuário) sempre vestido de branco - é uma verdadeira lenda do mundo cibernético.

Hamlet Au é um jornalista virtual que circula entre os personagens do Second Life escrevendo sobre suas histórias, guerras e relacionamentos. Inicialmente contratado pela Linden Labs – a desenvolvedora do programa – Wagner decidiu seguir carreira solo e contar o noticiário do Second Life em um blog chamado Notícias de um Mundo Novo.

Após vários anos viajando por todos os cantos do universo virtual, Wagner James Au – na vida real, um repórter americano com mais de dez anos de experiência na área de tecnologia - resolveu transformar em livro suas aventuras virtuais em um livro. O resultado é “Os Bastidores do Second Life: Notícias de um Novo Mundo”, lançado este mês simultaneamente no Brasil e nos EUA.

Na obra, Wagner mostra como muitas das funcionalidades do Second Life acabaram surgindo por puro acaso. A capacidade de voar, por exemplo, só apareceu porque os programadores da empresa acharam muito difícil fazer com que os avatares dos usuários galgassem colinas e encostas.

Na seqüência veio a explosão de popularidade, o surgimento de uma economia virtual que movimenta cerca de US$ 1 milhão por dia e o declínio, com a queda no número de usuários. No entanto, para Au, não é possível falar em crise e sim em adaptação. Confira abaixo as opiniões do jornalista mais famoso do Second Life em entrevista ao G1.

G1: Como começou o seu envolvimento com o ‘Second Life’?
Wagner James Au: Eu já havia visitado a Linden Labs algumas vezes, escrevendo reportagens para revistas de tecnologia. Eles sentiam que estavam criando alguma coisa extremamente diferente do que havia na internet até então, e resolveram contratar alguém para ser um repórter-avatar e documentar a origem desse novo universo. Foi então que nasceu o Hamlet Au, minha versão virtual.

Qual a diferença entre ser um jornalista no mundo real e no Second Life?
Nenhuma, além da presença de carros voadores, monstros, robôs e esquilos gigantes que falam (risos). Na verdade, os princípios da profissão são os mesmos, não importa o ambiente: citar corretamente as pessoas – não importando o avatar que usem – e mostrar todos os lados de uma história, caso haja um conflito. De certa forma, o Second Life é apenas uma nova ferramenta da profissão, como já foram o e-mail e o telefone celular. Hoje, são indispensáveis.

Porque você escolheu como avatar uma versão de Hamlet que se veste de branco?
(risos) É uma homenagem a dois grandes ídolos. Um deles do jornalismo, o escritor Tom Wolfe, que só se veste de branco. O outro da literatura e do teatro, o grande William Shakespeare (autor inglês do final do século XVI, criador do personagem Hamlet).

Havia a sensação que o produto era tão inovador?
Desde o início, em 2002, eles sabiam que aquele projeto – na época era chamado de Linden World (Mundo Linden) – era importante, mas eles não sabiam muito bem o que fazer com ele ou como ele poderia ser usado. Era mais como uma simulação do mundo real, uma espécie de ‘The Sims” em 3-D. A grande mudança veio com a ênfase na liberdade de criação de conteúdo, que transformou o Second Life em uma espécie de Lego virtual, onde você pode construir coisas – e até mesmo vendê-las. Isso gerou a percepção de que o Second Life realmente poderia ser a nova geração da web, como se fosse uma verdadeira internet em três dimensões. Na realidade, esse tipo de universo virtual tem potencial até para substituir os browsers (navegadores) tradicionais por um ambiente tridimensional, que insere o usuário dentro de seu conteúdo.

No livro você revela várias histórias sobre os bastidores do Second Life. Qual é a mais interessante em sua opinião?
Um momento marcante ocorreu no estágio inicial do produto, quando a Linden Labs ainda não sabia muito bem para o que iria servir o universo virtual. Eles receberam a visita de um grupo de investidores, que ficou assistindo aos funcionários usarem o programa. Em determinado momento, um deles criou um grande boneco de neve. De modo espontâneo, os outros usuários criaram versões pequenas do monstro e se ajoelharam em frente dele, começando a adorá-lo como se fosse um deus. Os investidores viram aquele esforço colaborativo e disseram: ‘é isso! É para isso que ele serve!’ Foi nesse momento que o Second Life ganhou sua cara atual.

Existe algo no Second Life que acabou ficando de modo totalmente diferente do que havia sido planejado inicialmente?
Sim. No início das operações, a Linden cobrava uma mensalidade dos usuários, como o fazem vários games do estilo RPG on-line. Também havia uma taxa em Linden Dollars (a unidade monetária do universo virtual) que era cobrada sobre os objetos criados pelos usuários. Um grupo de usuários protestou contra esse sistema lançando a chamada “Revolta das Taxas” – recriando um episódio da história americana, a Revolta do Chá, que terminou por dar início ao processo de independência do país. A revolta foi intensa: os usuários deixaram de pegar impostos, não recolheram as mensalidades, criaram bandeiras rebeldes e gritos de guerra. Isso mostrou à empresa que havia algo muito errado com o sistema das taxas, e logo elas foram removidas. O acesso se tornou gratuito, com exceção de algumas funções mais avançadas.

Após a euforia inicial, o número de novos usuários está caindo. Porque?
As estatísticas mostram que o número de pessoas que experimentam o Second Life é muito grande. E ainda há pelo menos 500 mil usuários que usam o programa mais de 40 horas por mês. Portanto, o problema está na transição. O sistema ainda é um pouco confuso e difícil de usar. Então, 90% das pessoas que experimentam desistem. Foi criada uma espécie de fosso: uma larga base de usuários fiéis, mas pouca reposição de sangue novo. É quase como a base de usuários do Macintosh, que representa apenas 5% do total de computadores, mas que representa a nata da inovação tecnológica. O que a Linden precisa fazer é facilitar a vida dos novos usuários.

O fato de Philip Rosedale (criador do universo virtual) ter deixado a presidência do grupo na semana passada é um sinal de crise?
Não vejo dessa forma. Eles precisavam de um executivo com perfil gerencial, com mais experiência no dia-a-dia de uma grande empresa. Quando eles começaram, eram apenas uns 20 caras; hoje, a Linden tem mais de 2.000 funcionários. Philip provavelmente vai seguir comandando a parte de criação do negócio, que é onde ele realmente brilha. Na minha opinião, ele é como um filósofo visionário.

O Second Life está morto?
Ele está longe de morrer. A própria mudança de comando mostra que os administradores estão procurando se adaptar a uma nova fase, após a explosão que ocorreu em 2005 e 2006. Eles também estão enfrentando uma concorrência maior – atualmente há pelo menos uma dúzia de novos universos virtuais. Mas continuam a haver centenas de empresas e alguns milhões de indivíduos fascinados pelo assunto. O Second Life ainda tem muito pela frente.

Como você vê o futuro dos universos virtuais?
Eles são a verdadeira internet 2.0. O Second Life mostrou que é possível criar novas formas de interação e relacionamento entre usuários, empresas, artistas, acadêmicos e toda uma ampla gama de profissões. Os universos virtuais chegaram para mudar a cara da internet.

Lançamento
Os Bastidores do Second Life: Notícias de um Novo Mundo
• Wagner James Au
• 288 páginas
• Idéia & Ação / Matrix Editora
• Preço: R$ 39,90

Escrito por Marcelo Cabral, para o G1.
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