domingo, 27 de janeiro de 2008

Viver em um Second Life sem bancos

"O que mudou no Second Life, agora que as máquinas de saque e depósito de dinheiro se foram e os bancos fecharam? Nada, praticamente nada, é o que descobri ao viajar pelo mundo virtual".

Este é a afirmação de Tateru Nino, que mantém no blog New World Notes uma coluna regular de medição do lado econômico do Second Life. Segundo Tateru (nome de avatar, claro), nada mudou aparentemnte. Desde que, há três semanas atrás, a Linden Lab anunciou que os bancos não regulamentados existentes no Second Life deviam fechar, desativando também suas respectivas ATMs (caixas eletrônicos) até o dia 22 de Janeiro. Apesar de todos os protestos, a vertente financeira do metaverso não sofreu qualquer alteração visível, exceto em um maior volume de transações diretas entre os usuários (câmbio ou comércio).

Cena rara: ATMs que ainda são vistos no metaverso

Tateru é cauteloso ao afirmar que ainda é cedo para tomar uma posição definitiva sobre o assunto. Entretanto sugere que provavelmente a vida continuará como até então. Aliás, o número de usuários inscritos diariamente - entre 16 a quase 20 mil - contribuindo para os atuais 12 milhões de avatares, sugere que o Second Life pulsa com uma energia ininterrupta. Se alguém esperava o caos, como seria provável na vida real, enganou-se.

Bancos e agiotas

Se o leitor quer saber como é que o encerramento dos bancos não afeta a vida do mundo virtual, tentando entender como é que o desaparecimento dos bancos e ATMs afetaria a vida real, e fazer uma analogia a partir daí... esqueça. De fato, o Second Life não é o mundo real - se bem que, com cada vez mais regras e leis, a idéia de "o seu mundo a sua imaginação" proposta pela Linden Lab começa a se dissipar. Portanto, os bancos do Second Life nunca existiram. Para os que pegaram a história no meio, é bom explicar que os "bancos" de que tanto se fala - e existem exceções - são sobretudo uma espécie de 'Mãe Joana' virtual, prometendo aos depositantes juros acima dos que pagam qualquer instituição bancária respeitável. De fato, segundo a Linden Lab, a totalidade dos "bancos" virtuais operando no Second Life é ilegal, pelo que se impunha o seu encerramento, como medida de proteção dos habitantes do metaverso. Essa é a razão oficial, mesmo que possam existir outras, econômicas, não imediatamente visíveis para o leigo. O avatar Gwyneth Llewelyn, uma conhecida figura do Second Life, refere no seu blog algumas potenciais implicações desta medida.

Inclusive, ela indica um 'balizamento' legal, lembrando que um banco sério, ao efetuar pagamentos, administrar contas e pagar juros, tem de estar credenciado contratualmente no mundo físico para operar. Todos os países do mundo têm uma entidade reguladora - como o Banco Central do Brasil - que certifica os bancos existentes. Depois, lembra Llewelyn, existem indivíduos que oferecem elevadas taxas de juros e que, depois de receberem o dinheiro, muitas vezes desaparecem com ele.

Ratoeira: Juros de 300%

Sem querer generalizar, a verdade é que os bancos do Second Life parecem se encaixar no retrato acima, até porque serviam sobretudo para receber dinheiro das pessoas de boa fé e não emprestavam nenhum valor. Alguns perguntavam como é possível oferecer juros de 130% ao ano, conforme sugeridos por algumas dessas instituições, sem realizarem empréstimos que garantissem seus lucros. Ou os 'estonteantes' 300% anunciados por alguns, como resultado da explosão econômica do Second Life. Metaforicamente, é o mesmo que acreditar em quem nos aborda na pracinha do centro da cidade, apontando para a igreja matriz e dizer que ela pode ser nossa. Pior! Tem gente que ainda pergunta 'quanto é?'...

A verdade é que o tema dos bancos virtuais no Second Life está no ar há algum tempo, desde o caso Ginko Financial, que em 2007 abalou a comunidade virtual, como o primeiro sinal do que podia acontecer quando se acreditava ser possível ganhar dividendos, apostando em esquemas de 'pirâmide'. O Ginko oferecia 44% ao ano, uma taxa impossível que levou ao desfecho infeliz para alguns: os seus investimentos viraram fumaça. A história nunca foi totalmente esclarecida, mas o Illinois Business Law Journal, dos estudantes de Direito do colégio local, oferece um excelente artigo sobre o tema, para quem desejar aprofundar o conhecimento da história.

Dinheiro para quê?

O desaparecimento das ATMs da paisagem do Second Life não veio, portanto, afetar visivelmente o quotidiano do mundo virtual. Afinal, o dinheiro nem é uma necessidade indispensável aos residentes. Ali não é necessário comer, dormir, comprar roupa (até pode, mas não é obrigatório) e mesmo para viajar de um lado para o outro, é grátis. Centenas de coisas podem ser feitas no Second Life sem gastar um único linden. A própria Linden Lab trata o "linden dólar" como um 'dinheiro de mentirinha'.

Quando se realiza o câmbio, troca-se dinheiro real por dinheiro virtual, como as fichas de um jogo. Não é preciso ser banco para se executar o câmbio, esta sim uma atividade 'incontrolável' pela Linden. Sendo assim, quem vai quebrar? Ninguém. As atividades comerciais prosseguirão. Qualquer um pode realizar câmbio, salvo alguns cuidados. Quem está perdendo aqui é o banqueiro, que especulava com dinheiro alheio.

Existem, claro, variadas nuances em toda esta história. Uma delas, que até pode ser verdade, é a de que a Linden Lab, ciente da necessidade de defender os habitantes de um esquema que começava a tomar proporções demasiado evidentes - é bom recordar o que sucedeu aos cassinos virtuais após a investigação do FBI: fecharam - cortou o mal pela raiz e está preparando o terreno para as instituições bancárias do mundo real se estabelecerem e operarem no Second Life.

Os bancos sérios

Gwyneth Llewelyn afirma acreditar que em breve as verdadeiras instituições financeiras entrarão no Second Life. Defende que nenhuma das existentes no mundo virtual hoje tem capacidade de ser aceita como confiável e que não será um Citibank que marcará presença, mas sim as pequenas instituições, bem como os consultores financeiros, que podem observar no mundo virtual uma nova fronteira de negócios.

De fato, até os bancos reais já estão no Second Life, mas nenhum deles empresta dinheiro ou realiza atividades idênticas às do mundo real. A história da presença bancária no mundo da Linden Lab se faz em poucas linhas. A Wells Fargo entrou em Setembro de 2005 e saiu ainda no mesmo ano. O ABN Amro foi o primeiro banco europeu em Dezembro de 2006. E não há muito mais para se contar. O banco suíço BCV abriu suas portas no Second Life em 2007... e é isso. Usa o espaço para se explicar como banco e para exposições, denotando uma preocupação cultural. O BNP Paribas abriu uma pequena área de teste em 2007. O IGN Bank abriu um espaço e um blog... e ponto final. De vez em quando surgem notícias sobre cartões de crédito e abertura de sedes virtuais. Mas depois tudo acalma.

O banco dinamarquês Saxo Bank (foto), uma das instituições com mais experiência de uso de serviços online, é um bom exemplo de sonho e realidade. Pretendia, ao entrar em Fevereiro de 2007, fazer um banco sério em um mundo 'de brincadeira'. Em Dezembro passado, numa entrevista para uma publicação especializada, Lars Christensen, executivo da Saxo, salientava que o espaço era ideal para comunicação com os clientes e afirmava que dada a inexistência de um 'banco central', não seria ainda viável realizar atividades monetárias oficiais. Além disso, ninguém sabe (ou admite) como que estará a situação do Linden Dólar amanhã. Esta é a realidade bancária do Second Life.

Brasil

No Brasil, temos as ações do Bradesco, Unibanco e Itaú. Todas ativas, voltadas para publicidade e eventos culturais, bem consistentes por sinal. Todos se mantém abertos e ativos. Mas não se aventuram nas suas principais atividades, também pela falta de regulamentação. São grandes espaços corporativos e publicitários, para relacionamento com clientes e interessados, e nada mais. A atividade ainda mais difundida entre os brazucas é o câmbio, que os leigos prosseguem confundindo com atividade bancária, o que não é. Uma casa de câmbio se torna banco quando passa a emprestar ou receber fundos, para guardá-los, ambos estes casos com finalidades de rendimento. Mas pelo que se sabe, nenhum profissional brasileiro deseja evoluir para além da compra e venda de lindens, principalmente depois do dia 22 de Janeiro.

Escrito por José Antunes, para o Expresso Clix.
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