terça-feira, 5 de junho de 2007

"Ninguém falou comigo no Second Life"
por Bruno Medina*

Blogueiro do G1 relata sua primeira experiência no mundo virtual. "Sem dinheiro, trabalho, amigos ou casa comecei a me sentir profundamente infeliz".

"Há meses acompanho com atenção as reportagens e matérias que pipocam por todos os meios de comunicação sobre a tal realidade virtual, mais recentemente associada ao programa Second Life; o conceito já é familiar, embora dessa vez o nome seja tão pretensioso e emblemático que não resisti à curiosidade e quis sentir na pele por que já somam quase dois milhões de adeptos só aqui no Brasil.

Para começar, é preciso baixar um software que, depois de instalado, nos leva à etapa seguinte: constituir as características do seu avatar, denominação dos personagens que encarnamos no programa. Visto que não me foi dado o direito de escolher como vim a esse mundo, pensei que seria uma oportunidade no mínimo interessante poder criar na íntegra meu representante no plano virtual. Primeira decepção. A escolha do meu nome precisava ser feita a partir de uma lista contendo algumas poucas opções. Dentre as possibilidades, acabei optando por me chamar Hugo Paderborn. O nome é esquisito, eu sei, e não foi escolhido com base em nenhuma referência afetiva, histórica ou literária, mas essa sina também acomete a tantos na vida real, nada com que não se acostume.

Avatar batizado, é chegada a vez de confeccionar os atributos de sua aparência; as possibilidades de escolha são amplas: do nariz aos sapatos. O programa – aqui em casa pelo menos – rodava muito lento, e a vaidade cedeu lugar à impaciência, o que deixou meu avatar com um visual bem chocho. Para incrementar seu personagem, existem butiques com modelos personalizados, mas, isso não é grátis, exige um cartão de crédito, e o desembolso de dinheiro de verdade. Linden Dollar é a moeda comum que torna fluida essa fronteira entre o real e o virtual. Como não pretendia empenhar recursos nessa experiência, minhas possibilidades de estilo ficaram bastante limitadas. No meio do processo, por conta do antigo hábito, acabei esquecendo de me criar de bigode, e daria tanto trabalho consertar que preferi ficar de barba mesmo.

Meu avatar estava pronto para ganhar o mundo virtual, e eu, ansioso para conhecê-lo. Era chegado o momento de me lançar às novas e convidativas experiência, e decidi por um lugar cujo nome soou familiar, a Ilha Brasil. Imaginei que encontraria representados nossos pontos turísticos mais conhecidos: uma fauna multicolorida, exótica e abundante, avatares vestidos com trajes tipicamente nacionais. Nova decepção. Algumas poucas avenidas vazias, muitas lojas, e a brasilidade representada apenas por uma pedra que, pelo que me pareceu, pretendia ser o Pão de Açúcar.

Marinheiro de primeira viagem, paguei o primeiro mico achando que todos falavam comigo. Sentia-me bastante popular e bem recebido, quando percebi que é preciso ler a quem se dirige cada comentário quando se está num ambiente com outras pessoas. Lição aprendida segui para o “point“ da ilha, onde alguns tomavam sol recostados em pufes, olhando para o nada no meio de uma quadra polivalente. Não me perguntem por que motivo, também não entendi. A maioria das conversas a que tive acesso diziam respeito a ganhar e acumular os tais lidens. Trabalha-se por créditos a serem gastos com roupas, carros, casas e o que mais conseguirem inventar.

Os empregos não são nada edificantes. Um deles oferecia trinta e cinco lindens para quem se dispusesse a ficar sentado num determinado bar, acho que era para aparentar popularidade. Outro trabalho muito comum é servir de homem-sanduíche, aqueles outdoors humanos, normalmente divulgando serviços dos designers de roupas e de outros apetrechos. Aliás, tem muita gente ganhando dinheiro muito real produzindo bens de consumo para os usuários do programa.

Aos poucos, aqui e ali, começaram a surgir as propriedades particulares, onde não é permitido transitar. Enquanto caminhava, o cenário ia se formando a minha frente, lento, incompleto, quadrado e feio. Perambulava pelas avenidas sem destino, entrava nas lojas onde as paredes invisíveis me detinham, as casas não tinham teto, e ninguém falou comigo. Talvez porque minha roupa era simples demais, tipo padrão, e isso me denunciava para os mais experientes como um novato cheio de perguntas, um excluído das tribos que ali coexistem.

Os trajes de certos avatares com quem cruzei intimidavam o contato, mais pareciam super-heróis. Vez ou outra, esbarramos naqueles que se empolgam com o figurino, e chega a ser engraçado analisar até que ponto pode ir a imaginação das pessoas e seu comprometimento, digamos, estético. Escolhem representações bastante complexas e exóticas de si próprias. Tentei puxar conversa, não obtive muito sucesso. Parece que o grande assunto do Second Life é mesmo como ganhar lindens para incrementar cada vez mais o próprio visual.

Existem marcas, e empresas que já compraram seus quinhões em terras virtuais. O programa começa a virar palco para reuniões profissionais, onde executivos engravatados espalhados em cidades distantes podem, por exemplo, agendar um almoço; em situações como essa valem as mesmas regras do mundo real; decide-se aonde ir e quem vai pagar a conta.

Sem dinheiro, trabalho, amigos ou casa comecei a me sentir profundamente infeliz. Encontrei meu refúgio numa espécie de praia, uma paisagem que deveria ser bela e tranqüila, e perambulei por lá por alguns minutos, observando o mar. Essa experiência só agravou minha sensação de solidão, inclusive por pensar que, para muitos usuários, esse programa, não muito diferente de um joguinho de computador, represente a possibilidade de se reinventar. Ilusoriamente, torna-se acessível ser bonito, bem vestido ou andar de carrão.

No mais, o programa incentiva o consumo, o culto narcísico à auto-imagem e à conversa fiada. A proposta de segunda vida não me convenceu, é tediosa e vazia. O intuito dos responsáveis por essa fabulosa invenção pode até ser o de criar mais um ambiente de interação, mas o conceito implícito é apenas um: a questionável possibilidade de controlar todos os aspectos relacionados a sua existência. Não chega a surpreender que a noção de felicidade esteja profundamente relacionada ao consumo, afinal, por trás dessa realidade fantástica estão pessoas que vivem no mundo real, e, em última análise, são elas as responsáveis por tudo que pude presenciar na minha tela.

Poderia daí partir para constatações apocalípticas sobre a época atual e a percepção, míope, que temos sobre o sentido da vida. No entanto, prefiro acreditar que os avatares são bonecos, Second Life, apenas um jogo, e que por trás de cada um dos computadores existem pessoas que têm plena consciência disso. Infelizmente tudo leva a crer que estou errado, e que o sucesso desse programa se relaciona com tempos muito estranhos.

A consciência do que é real em pouco tempo pode se tornar relativa, em todos os aspectos, dos mais banais aos mais significativos. Viveremos para testemunhar uma provável substituição de valores, se é que isso já não está acontecendo. Um pouco antes de me desconectar do programa, resolvi dar um vôo panorâmico, ainda em busca de alguma poesia naquele cenário.

A realidade virtual nos propicia a sensação de que, dentro de seus domínios, quase tudo é possível e permitido, inclusive voar. Imbuído desse espírito, sobrevoei ruas, notei que os avatares se tornavam cada vez mais diminutos, pouco nítidos, semelhantes, uma guinada e estava sobre o mar. Voando cada vez mais rápido, fui deixando a ilha para trás, a espera do que me impediria de chegar até o sol. De forma abrupta meu vôo foi interrompido, o cenário congelou. Fiquei flutuando sobre o nada, sem saber como voltar, como se a minha trajetória nunca tivesse sido prevista pelos programadores. Acima do horizonte, que de perto parecia um desenho de criança, e perdido, a sensação poderia ser a de um pesadelo. Felizmente havia um menu, hora de desconectar".

*Bruno Medina é escritor e músico da banda Los Hermanos.
Fonte: Blog Instante Posterior . G1

5 comentários:

Anônimo disse...

Comentarios rapidos de quem usa o Second Life ha mais de 6 meses:
- os lugares frequentados por brasileiros sao os menos interessantes e mais lentos;
- os brasileiros sao a comunidade mais mal educada do Second Life e disso vem o sentimento de solidao dentro do ambiente. Brasileiro nao cumprimenta, nao ajuda e so quer saber de consumir. Se vc tivesse visitado lugares com predominancia norte-americana ou alema (segunda maior comunidade no ambiente) veria que eh bem diferente;
- a Ilha Brasil nao eh o melhor lugar pra ir se vc quer encontrar pessoas de verdade atras dos avatares. Pessoas que pensam atras dos avatares falam ingles, mesmo que sejam brasileiras. A Ilha Brasil eh um grande outdoor, um lugar de consumo puro e nao de interacao e busca de conhecimento tecnologico. Se vc quer ver coisas interessantes no Second Life fique longe dos brasileiros (nao eh assim quando se viaja pro exterior?);
- esse nivel infantil e mesquinho de interacao dentro do Second Life vai sumir quando o ambiente entrar na sua fase de maturacao, exatamente como aconteceu com a web;
- eu nao sei se seu texto eh ingenuo ou se faz de. Os valores ja estao invertidos, as pessoas ja estao doentes e ambientes de interacao na Internet aglomeram pessoas com problemas sociais serios. O pos-modernismo eh isso, sociedade doente e sem valores. Qualquer ambiente de interacao online vai estar encharcado dessas enfermidades.

Anônimo disse...

texto "bonito", mas falha ao tentar analisar de maneira profunda um ambiente extremamente complexo, aseado em uma primeira impressão.

Algumas conclusões podem estar corretas, outras como já apontadas no comentário acima são apenas fruto de primeira impressão.

Anônimo disse...

Comentario de quem submergiu no second life a 3 meses:
Second Life é a materialização de um antigo sonho da maioria das potencias corporativas do planeta,porque viabiliza tecnicamente,o que um browse não conseguiu ainda, a tangencia entre o virtual e o real.
Não é de hoje que engenheiros e milhões de dolares são mobilizados para "quebrar" a barreira de vidro,que é o monitor da sua maquina e bilhões de bits e bytes que se aglutinam em scripts de html,ou qualquer outra "markup language" que inventarem,para produzir o maior realismo possivel ao ato de navegar pela internet.
Isso ja foi tentado a uma decada atras,mas sem sucesso,porque exigia um equipamento e processos de transmissão de dados,imagem e voz insuportaveis pela "rede" digamos assim,o que levou a "volta a prancha de desenho" incontaveis vezes.
Até que surgiu mr.Rosedale e seu World linden.
E cá estamos.
O second Life na minha modesta opinião, é uma supernova da internet.
Tal como foi com o telefone,fax,celular e será o chip trandermico(infelizmente)aliás,breve,termos mais uma identificação de reconhecimento do nosso status quo,e nos perguntarão;
Nome do avatar por favor,para nos enviarmos nossas promoções relampago.
É...e a Phillips ja esta testando o tataravo do Holodeck...lembra de Star Treck?

Anônimo disse...

Que deprimente, faz lembrar uma vaca vendo o trem passar, não entendeu nada...
Acho que na primeira vida os confortos de ter uma graninha garantida desde cedo, vida fácil, deixam tudo mais difícil na segunda vida. Pobre, anônimo, quase desdentado... nasceu povo e não gostou.
Tomara que ninguém leve a sério esse resmungo piegas.

Anônimo disse...

Ótimos comentários. Também achei o texto fraco ao relatar a primeira impressão sobre algo novo. É importante entender que você "nasce" ao entrar pela primeira vez no SL. Nasce quase pelado, quase sem dinheiro (se você fornecer um cartão receberá uns trocadinhos pra experimentar), quase sem saber nada... tem um mundo novo a desvendar. Tem que deixar a preguiça de lado e explorar, pois nada cai do céu na sua segunda vida, nem chuva. Apesar que dinheiro dá sim em árvore se você já tiver um pouco de experiência para merece-lo. É sim um mundo consumista, mas você consome apenas se quiser, pois pode produzir sozinho tudo o que precisa, desde sua aparência, suas roupas, seus gestos... basta estudar um pouco e não ter medo de experimentar.
Outra coisa, a ilha brasil não é mesmo o melhor lugar para começar... aquilo é uma bagunça. Reflexo do nosso querido Brasil real, infelizmente. Existem lugares muito melhores, só abrir a busca e digitar algo que te interesse e ir atrás. Sim, tem que ir atrás do que se quer! Você não precisa de dinheiro para viajar e para fazer amigos.... Será que você reparou que só ficou se lamentando? Não buscou nenhum grupo, nenhum tema que te atraia? Não falou com ninguem.. ficou só esperando que todos fossem atrás de vc? Acorda garoto! Você tem que mostrar a que veio também. Na sua segunda vida você é apenas mais um desconhecido. Aceite, aproveite e aprenda com isso na sua próxima visita.