por Guilherme Felitti*
Repórter da IDG Now! analisa e exemplifica como é o fenômeno da maternidade virtual dentro do universo da Linden Lab.
Amparada pelo pai, a mãe, vestida com um fino vestido de cetim, cambaleia da calçada pelo corredor estreito que leva ao interior da clínica onde haverá o parto. Na sala de cirurgia, um rastafári com longos dreads conversa com uma enfermeira de cabelos rosados ouvindo a uma batida hip hop enquanto a paciente se prepara para o procedimento. Não estranhe alguns dos elementos excêntricos que formam o parto acima - a cena é a descrição de um fenômeno em crescimento na internet: a maternidade virtual dentro do Second Life.
Meninas nem saídas da casa dos pais, mulheres emancipadas que se divertem com seus avatares ou mesmo homens que querem provar o gosto da gravidez vêm encarando a rede social da Linden Labs como uma chance de ter seu próprio rebento. No primeiro Dia das Mães com a versão brasileira do Second Life em funcionamento, conheça esta nova categoria de maternidade: a virtual.
Bebê no atacado
Já dizia o ditado popular que amor não se compra. No Second Life, a máxima perde muito do sentido principalmente pela maternidade obedecer aos mesmos preceitos mercadológicos que regem outras atividades na rede social. Em uma visão piegas, se na vida real é o amor entre pai e mãe que gera a criança, no Second Life são os Linden Dollars, a moeda local, e o esmero de designers digitais que formam a crianças após a encomenda do avatar.
O “capitalismo de bebês” funciona da mesma maneira que a indústria que vende óculos, roupas, terrenos e novos corpos digitais para avatares: casais interessados recorrem a estúdios de modelagem que criam uma “experiência de gravidez”.Principal meio de fertilização na realidade, o sexo é apenas um coadjuvante no Second Life.
Antes de tudo, é preciso pagar para fazer sexo mesmo com um avatar com quem se mantém relações estáveis e afetivas - camas vendidas virtualmente trazem um catálogo de posições sexuais para satisfazer os amantes. A situação leva a uma curiosidade: como a gravidez ainda não passa de um plug-in instalado no avatar, a barriga não é privilégio apenas das mulheres. Em um milagre da biogenética digital, avatares masculinos ou mesmo mulheres sozinhas podem engravidar livremente, caso queiram.
É com isto em mente que me teletransporto, da Ilha Brasil, para o Baby Bugz, espécie de shopping center norte-americano da gravidez que anuncia diferentes tamanhos de barrigas e roupas para grávidas emolduradas nas largas paredes das lojas. No meio do ambiente, um sofá amarelado identificado com o nome “Dad´s couch” (sofá do papai, em tradução livre) está apinhado de ursinhos de pelúcia rosados e almofadas azul claro e se apóia em um tapete com girafas e elefantes desenhados com um traço claramente infantil.
Não há ninguém na loja, o que me força a contemplar, sem guia, as opções disponíveis. Assusto-me de cara pelo exagero delas. Em todas as paredes dos dois galpões que formam a ampla loja há cartazes fixados com o retrato de avatares femininos vestindo, em sua maioria, baby dolls e vestidos curtos que as conferem um ar meigo. Para minha surpresa, o ambiente inocente é quebrado por modelos de gravidez mais depravados, com grandes barrigas bronzeadas emolduradas por tangas fio-dental na cor vermelha ou baby dolls com babados claramente pecaminosos. Procuro por uma loja com vendedoras e encontro com JessicaRed Ferraris parada na porta de um longo corredor vermelho. Após me identificar, a sensual ruiva com traços orientais me explica que pode moldar a barriga conforme eu queria, mas me sugere também um par de peitos entre risadas, caso eu decida engravidar.
JessicaRed então explica que, após comprar a gravidez, um sistema de mensagens alerta à futura mamãe (ou papai, no meu caso) o que o bebê está fazendo no momento (“como chutando ou dando cambalhotas”) e quais seriam meus desejos maternos forçados pela gravidez. As mensagens são melosas como conversinhas entre namorados - o tatibitate chama sempre a barriga de “tummy”, termo em inglês mais doce para designar a gravidez. Existem dezenas de estúdios de design norte-americanos que se passam como clínicas de fertilidade no Second Life.
Nas andanças pela rede, não encontrei uma clínica brasileira - a ausência me foi confirmada posteriormente por um funcionário da Kaizen, responsável pela versão brasileira do Second Life. Quem escolhe a duração da gestação é a própria mãe - como não há tempo mínimo nem máximo, o tamanho da barriga é atualizado pelo período escolhido pelos pais.
Parto natural
Terminado o prazo pré-determinado, o avatar entra em trabalho de parto. Ao chegar à clínica escolhida, o médico posiciona a criança debaixo da mãe e vai puxando, como se estivesse fazendo realmente um parto natural, descreve o avatar Ariel Manga. “Depois, o médico leva a criança para outra sala, para limpá-la e trazê-la vestidinha para que os pais tenham o primeiro contato e descubram o sexo da criança”. No Second Life, escolhe-se a barriga, mas não o sexo do bebê.
Muito emocionante
Parir, porém, não basta - são as avós que, clamando responsabilidade de suas filhas grávidas, alegam que ter filho não é a apenas botar no mundo. Neste sentido, pelo menos, o Second Life se equipara à vida real. Se não houver um terceiro usuário interessado em assumir o papel da criança, o avatar infantil vai sempre se manter como um bebê que rola na cama, ri, chora e pede atenção.
“Já preparei os avatares dos meus filhos adultos”, afirma orgulhosa Renata Smagda, que já tem dois pequenos e passa por sua terceira gravidez, como se brandisse no ar um cachecol para seu futuro filho. Quando atingirem idade entre três e seis anos de idade, ela poderá pedir que alguns amigos já selecionados adotem o papel de seus dois “biológicos” - Eric e Fernando, em homenagem ao atual pai. A prole se completa com o primeiro rebento, adotado. Nem tudo é alegria, porém: logo na segunda gravidez, Smagda sofreu aborto após o traumático fim do relacionamento com Alemão Alonzo, o pai.
A história só não ganha mais contornos de novela mexicana porque Renata Carvalho, o alter-ego do avatar, é rápida em esclarecer que “não fazia mais sentido levar uma gravidez de um filho que não tem pai”. E como é um aborto virtual? Muito mais simples que um normal. O avatar apenas tem que parar de usar a barriguinha comprada e seguir tocando sua própria vida.
Cada filho natural de Smagda custou à Renata real cerca de 16 reais e os gastos param por aí: bebês virtuais não usam fraldas, mamadeiras ou chupetas e precisam apenas de um berço para dormirem em paz. Renata justifica a dedicação afirmando que sempre quis ter filho. Diz ela que “ver um filho nascer, mesmo que seja num mundo virtual, é muito emocionante”. A pernambucana tem apenas 19 anos ainda. O responsável pelo avatar de Ariel Manga nem maior de idade ainda é. Mas ambos terão motivos digitais para passar o Dia das Mães com um sorriso no rosto graças à emoção que um punhado de pixels lhes causou.
*Guilherme Felitti é repórter do IDG Now!.
Fonte: IDG Now!
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