quinta-feira, 31 de maio de 2007

Um sentido para a segunda vida
Por Roberto César*

Companhias de todos o setores correm para entrar no fenômeno Second Life - o problema é que muitas nem sabem o que pretendem fazer por lá.


Qual o sentido da vida? Quando o assunto não envolve nossa existência terrena, mas a vida paralela que se desenrola no mundo virtual do Second Life, a pergunta nunca foi tão pertinente. Lançado há quatro anos pela californiana Linden Lab, o universo digital Second Life tornou-se um fenômeno. O número de usuários cadastrados cresceu de cerca de 100 000 no início de 2006 para 6,7 milhões atualmente. Mais fenomenal foi o espaço que o produto ganhou na imprensa, com extensas reportagens nos mais importantes jornais e revistas de diversos países. Esse burburinho não demorou a chamar a atenção das empresas. Encorajadas por suas agências de publicidade, companhias de todos os setores começaram a investir em projetos dentro do Second Life. De início, as ações eram esporádicas e tímidas, mas logo o movimento transformou-se numa espécie de corrida do ouro. De showrooms a reuniões de funcionários (ou melhor, de suas representações, ou avatares), toda iniciativa ligada a esse ciberespaço é avidamente divulgada na mídia. O problema é que, na pressa de não ficar para trás, as companhias parecem ter esquecido de questionar qual a razão de estar no Second Life.

O produto da Linden Lab não é exatamente um jogo, mas um ambiente de relacionamento online com gráficos em três dimensões. Cada participante cria seu avatar, que vai representá-lo nesse mundo alternativo. Toda a ação acontece com as pessoas conectadas à internet, por isso os avatares interagem em tempo real: eles gesticulam, conversam por mensagens de texto, namoram, fazem negócios e fabricam todo tipo de objetos, desde roupas até prédios. As empresas costumam construir seus espaços próprios, mas nem todas conseguem elaborar ações sofisticadas ou úteis a seus clientes. O que a maioria das companhias faz com sua "segunda vida" parece menos importante do que divulgar a presença no ciberespaço na tentativa de conferir um verniz de modernidade à marca. O importante é estar lá -- e, sobretudo, dizer isso em alto e bom som. "Inovação pode significar 5% de ação e 95% de falatório sobre o pouco que se fez", diz Brian Crotty, vice-presidente da agência de publicidade McCann Erickson. "É o que está acontecendo no Second Life."

Basta dar algumas voltas pelo universo da Linden Lab para constatar que as áreas criadas pelas empresas quase sempre estão desertas. O avatar de EXAME passeou pela propriedade virtual do banco ABN Amro e da Sundown Motos, por exemplo, sem encontrar nenhuma outra presença por lá -- e estes não são casos isolados. As grandes montadoras, como Toyota ou Fiat, também entraram no Second Life, ainda que a utilidade de veículos num mundo onde todos podem voar ou teletransportar-se seja duvidosa. Pela mesma razão, alguns podem estranhar a existência de um lounge virtual da TAM. É claro que a marca está exposta, mas isso nem sempre significa uma vantagem. A Australian Broadcasting Corporation (ABC), TV estatal australiana, construiu uma glamourosa ilha dentro do programa. Há poucos dias, toda a área foi destruída, como se uma bomba tivesse sido jogada no local -- o que pelo menos deu à ABC o título de primeira vítima de um ataque terrorista virtual. Crotty, da McCann Erickson, diz que sugeriu a um grande cliente que postergasse os planos de entrar no Second Life. O motivo: um concorrente havia estreado no mundo virtual um pouco antes e feito barulho na mídia com isso. "A vantagem de relações públicas já estava perdida, porque a empresa não seria pioneira", afirma. "Não havia mais nenhuma razão para estar lá." Outro problema é que alguns usuários mais antigos reclamam que a invasão das empresas tirou um pouco da graça da existência paralela -- para sentir-se cercado de mensagens comerciais, já bastaria a vida real.

Se o Second Life é o mundo online mais divulgado, nem de longe é o mais bem-sucedido. Tanto do ponto de vista de negócios como de população, ainda não há competidor à altura para o World of Warcraft, também conhecido como WoW. A experiência é um pouco diferente do que se encontra no Second Life. O WoW é um jogo, com adversários e objetivos. Quem quiser matar monstros no mundo fantasioso de Azeroth tem de comprar um DVD com o software e pagar uma mensalidade de cerca de 15 dólares para conectar-se aos servidores da Blizzard Entertainment, uma divisão do conglomerado francês de mídia Vivendi. Essa nova forma de entretenimento, que combina a diversão dos videogames com a interatividade de uma rede social, é um fenômeno cultural na Ásia e nos Estados Unidos. Só o WoW tem mais de 8,5 milhões de jogadores. "O modelo de negócios é inteiramente baseado na venda do software e nas assinaturas", diz Shane Dabiri, produtor executivo do WoW. "Não há anúncios no jogo nem qualquer tipo de receita desse tipo."

Os entusiastas do Second Life dizem que avaliar a vida paralela só pelo lado do negócio ou do número de habitantes é um erro. A grande novidade do serviço é ser uma web em três dimensões, com o mesmo benefício da rede: liberdade total. Assim como as empresas começaram tateando na web, o mesmo ocorre agora. "Há dez anos, ninguém sabia direito para onde aquilo caminhava, mas havia um sentimento geral de que era preciso estar na internet", diz Paulo Cesar Queiroz, vice-presidente executivo da agência de publicidade DM9DDB. Melhor pegar carona agora, porque esse mundo pode ser tão revolucionário quanto a world wide web.

O importante é não perder de vista que ainda há muito o que evoluir no Second Life. Os recursos gráficos e a navegação são muito mais limitados do que a maioria das reportagens sobre o assunto leva a crer. Também é necessário contar com um computador potente e com uma boa conexão de banda larga para ter uma experiência compensadora. Requisitos como esses limitam o alcance do programa em países como o Brasil, e um indício disso está nos relatórios de audiência do Ibope NetRatings. Em fevereiro, 210 000 pessoas se conectaram. No mês seguinte, o número caiu para 142 000. Em abril houve uma ligeira recuperação, e a tendência geral ainda é de crescimento, porém com alta rotatividade: todos os meses há muita gente entrando pela primeira vez, mas também muitos que desistem da brincadeira. Outro ponto a considerar é a curva de aprendizado. Os usuários precisam dedicar longas horas se quiserem aprender a movimentar seu avatar com desenvoltura, construir ou comprar acessórios e imóveis e relacionar-se com outros "residentes". Nem todo mundo tem tempo ou paciência para isso.

As possibilidades devem aumentar quando o programa evoluir, mas isso não parece preocupar as companhias neste momento. A ordem é entrar no Second Life agora -- e deixar para entender o sentido da segunda vida depois.

*
Roberto César é repórter da Revista Exame.
Fonte: Portal Exame.

2 comentários:

Anônimo disse...

Debora!

A ilha Bahia conquistou o primeiro lugar no lugares populares hoje! Acho que merece uma matéria, não?

Debora Perenti disse...

Aguardamos um release da Ilha Bahia, com foto. Podem enviar para mundolinden@yahoo.com.br.
Grata ;)