segunda-feira, 25 de junho de 2007

Entrevista com Emiliano de Castro

Há um pouco de tudo na estratégia que leva cada vez mais brasileiros – e empresas – a mergulhar no ambiente lúdico do Second Life, diz o homem que “vende” o software no Brasil.


Emiliano de Castro é um dos 350 mil brasileiros que criaram um avatar (personagem virtual) para navegar no Second Life, o mundo imaginário em que cada um pode ser o que bem entender. Mas não está tendo tempo para se divertir muito. Nem ali, nem na vida real. Cinéfilo, e apaixonado por vôlei de praia, este mineiro de 34 anos praticamente deletou seus hobbies desde que trocou um emprego na indústria de jogos eletrônicos – outra de suas obsessões – para ser o principal executivo do Second Life no Brasil, seis meses atrás. Desafio curioso, o de Emiliano: em vez de caçar clientes, são eles que, como num estouro de manada, estão exigindo a atenção dos executivos da Ilha Brasil, parceria do portal IG com a Kaizen Games, que representa no país a norte-americana Linden Lab, detentora dos direitos do software criado por Philip Rosedale em 1999.

O Second Life virou coqueluche, inclusive entre as empresas, que diariamente abastecem a imprensa com comunicados que trombeteiam sua entrada na comunidade virtual em que todos podem voar e a moeda oficial, o Linden, permite comprar helicópteros a preço de banana. Depois de três adiamentos, Emiliano Castro pôde, finalmente, conversar com AMANHÃ para anunciar que até o fim do ano será possível usar voz na comunidade. E, naturalmente, analisar o sentido que pode haver na loucura coletiva chamada Second Life.

Quais são as empresas brasileiras hoje que melhor proveito estão tirando do Second Life?
Há bons casos entre as empresas ligadas à educação, como Mackenzie, assim como entre revendas e inclusive montadoras de automóveis, como a Citroen. Entre as construtoras, eu poderia destacar a Rossi, a Tecnisa. Há vários segmentos fazendo uma transição mais rápida do que imaginávamos para o mundo do Second Life.

Alguma surpresa nestes cases?
Um caso que acho interessante é do Estadão. Eles marcaram sua presença ao entrar com um jornal que é todo voltado ao Second Life, para noticiar o que existe ali dentro e que é construído também pelos avatares. Acho que as presenças mais interessantes são justamente aquelas que adotam a filosofia do Second Life de construção coletiva. Ou seja, aquelas que não reduzem o usuário do metaverso num simples espectador, em alguém que participa passivamente, e sim em alguém que constrói. Se não for assim, perde um pouco a graça, pois as pessoas ali buscam uma segunda vida, uma segunda oportunidade de ser aquilo que não são na primeira vida, na vida real. O Second Life é o lugar onde o engenheiro quer ser um jornalista, onde o advogado quer ser um DJ. As pessoas buscam essa oportunidade para exercitar sua criatividade também.

O que há de novo no conceito de metaverso?

Quando afirmamos que o Second Life é um metaverso, e não um jogo, queremos dizer que ele é um universo dentro de outro universo. Façamos uma comparação. Num jogo, você tem missões bem definidas. E no Second Life é como na vida, pois você não tem uma missão escrita. Você define as suas escolhas, você vai definindo sua história. Não está seguindo um roteiro preestabelecido por ninguém. Por isso, o Second Life é isso: um universo 3D on-line que existe dentro do universo maior que é aquele onde a gente vive uma vida paralela.

O que as empresas ganham criando avatares (personangens virtuais) no Second Life?
Vou citar como exemplo uma rede de hotéis que testa apartamentos-conceito no Second Life. Os avatares vão lá e escolhem quais são os melhores apartamentos. Os avatares visitantes não estão construindo o apartamento, mas estão ajudando a empresa a definir quais são as melhores soluções. É uma espécie de pesquisa de mercado que a empresa está fazendo ali. Da mesma forma que ela pode sondar os avatares sobre seus produtos, ela pode testar modelos de negócio ali dentro, porque o Second Life funciona um pouco como um tubo de ensaio. Aquela idéia de jogo de empresas, por exemplo, faz muito sentido no Second Life, pois você tem condições de verificar como será a aceitação de um novo produto ou de um novo serviço. Por mais descontraído que seja o avatar, por trás dele está uma pessoa real, um consumidor, alguém que tem suas opiniões...

A comunidade Second Life é heterogênea?
Sim. O uso que as pessoas fazem do Second Life está longe de ser homogêneo. Há pessoas que entram ali para se divertir, ou para conhecer novos espaços, para paquerar, para fazer novos amigos – ou simplesmente para ver como é que é. Há gente entrando para empreender, fazer camisetas disso e daquilo, vender plantas... Vemos também pessoas trabalhando como vendedores de loja, como DJ, seguranças de boate – tudo quanto é tipo de emprego que você imaginar está começando a aparecer no Second Life. E tem gente que usa o Second Life para coisa séria, por exemplo, assuntos de comunicação corporativa, o que inclui pesquisas, estudos, pessoas fazendo reunião ali dentro assim como poderiam estar fazendo uma teleconferência no mundo real...

“Será que vou pesquisar o consumidor? E quem sabe eu não vou aplicar ali dentro um novo conceito, dar uma segunda vida para minha marca, algo mais próximo de sua verdadeira missão? Algo que eu não possa fazer na vida real por questão de mercado...”


Há empresas que estão indo ao Second Life buscar funcionários para o mundo real. Até onde é possível encontrar novos talentos para as organizações, procurando no mundo virtual?
Acho muito pouco provável que a gente substitua o processo tradicional de seleção do mundo real pelo do mundo virtual. Mas é possível, sim, usar o espaço virtual como um recurso complementar. Se eu procuro, por exemplo, um funcionário para trabalhar numa equipe de venda, muitas coisas eu posso testar no Second Life: ver como ele aborda as pessoas, como organiza seus argumentos de venda... Eu imagino que as duas formas se complementem, a virtual e a presencial.

Que tipo de receio as empresas demonstram para se lançar no Second Life?
O mercado está amadurecendo rápido e já não é tão disseminada aquela idéia de “quero fazer qualquer coisa no Second Life”. Ou seja, as presenças já são um pouco mais qualificadas, com as marcas se perguntando como podem aparecer e o que vão fazer lá dentro. Os questionamentos que percebemos são os mais diversos: será que vou fazer exposição de marca, vou oferecer algum tipo de serviço, vou comercializar algo virtual ou real ou será que eu quero somente estabelecer um novo canal de comunicação com o consumidor para ele, por exemplo, tirar dúvidas sobre produtos ou poder simplesmente opinar? Será que vou testar meu consumidor aplicando uma pesquisa? E quem sabe eu não vou aplicar ali dentro um novo conceito para a minha marca? Quem sabe ali minha marca também tenha uma segunda vida, talvez mais próxima da sua verdadeira missão. Talvez algo que a empresa adoraria fazer no mundo real, mas não pode por questões de mercado...

O perfil do usuário do Second Life está mudando?
Está mudando um pouco. Até setembro do ano passado, o Second Life teve um crescimento bastante lento e gradual, porque atraía pessoas que tinham o objetivo de entrar lá para construir coisas. Só que já não havia tanta coisa para construir como nos primeiros tempos, quando os colonizadores, isto é, os primeiros usuários, ingressavam ali e praticamente tudo estava ainda por ser feito. O grande salto de crescimento se deu a partir do final do ano passado, quando o usuário passou a buscar no Second Life a interação com outras pessoas. O perfil, então, começou a mudar. A comunidade já não era formada somente por aquele usuário mais ligado à tecnologia, o chamado early adopter, que estava querendo construir coisas, mas sim por gente que também tem interesse em relacionamentos. Foi então que o Second Life se virou para um conceito de rede de relacionamento como o Orkut, por exemplo. E se transformou, para muita gente, em uma espécie de chat em 3D.

É isso o que as empresas estão buscando?
Sim, especialmente as empresas de comunicação e agências de publicidade. Elas detectaram o Second Life no seu radar e quiseram entender melhor o que é isso. Também os clientes das agências passaram a provocá-las sobre se não seria interessante ter algo no Second Life. Ou, pelo menos, em campanhas de comunicação integrada, que pense no tempo off-line, no tempo da internet e no Second Life também. É claro que o Second Life não terá a penetração de um comercial veiculado em um canal comercial de TV. Mas ali dentro está um público diferenciado: são formadores de opinião, gente ligada à tecnologia, que gosta de inovação.

Há várias empresas fazendo marketing real dentro do Second Life. Até que ponto é válido usar um lugar tão lúdico como o Second Life para repetir fórmulas do mundo real?
Acho que existem dois lados nessa questão. O primeiro ponto de vista a considerar é o do usuário. Ele próprio, quando entra no Second Life, sente-se confortável vendo uma imitação do real. Afinal, vai a lugares onde encontra ruas. Vê casas, prédios... Em suma, construções que mimetizam o mundo real. Isso talvez lhe traga algum conforto. Agora, é natural que você, replicando o mundo real, também replique os espaços publicitários. Acho que isso não agride num primeiro momento. Por outro lado, pensando agora no anunciante, ele tem de começar a partir de algum ponto. Depois, sim, vai evoluir. A gente está assistindo em matéria de publicidade ao final da pré-história do Second Life. Vamos pegar de exemplo o outdoor, talvez a forma mais primitiva de comunicação. Se você coloca um outdoor no Second Life, hoje, faz sentido, porque ali existe o contexto do ambiente urbano. Agora, isso tem de evoluir, e vai evoluir com certeza, para uma presença na rua muito mais descontraída. Porque o outdoor, por exemplo, não interage com o usuário?

Como as empresas norte-americanas que estão há mais tempo no Second Life estão conseguindo ganhar dinheiro?
Um dos movimentos com melhores resultados é na área de comércio eletrônico. A gente percebe que cada vez mais empresas que já trabalhavam com comércio eletrônico estão tirando proveito do Second Life, que é visto não apenas como mais um canal. No Second Life, há uma ferramenta importante que é a idéia de compra compartilhada. Se eu quiser comprar um livro sobre astronomia, em vez de ir a um site, eu vou a uma livraria buscar um bom título. Eu navego, com meu avatar, para uma área de astronomia que vende não apenas livros, mas outros produtos de astronomia, com uma decoração adequada a esse tema. Nessa área eu talvez me encontre com pessoas que também estão buscando a mesma coisa. Eu vou ver essas pessoas e poderei conversar com elas. Isso é muito difícil de se explicar na internet convencional, em que você sabe que naquela página pode haver outros usuários, mas que você não sabe quem são. No Second Life, você pode saber quem são e trocar informação com pessoas que têm afinidades e interesses comuns. Essa experiência é mais forte do que qualquer propaganda.

“Ali é o lugar do engenheiro que quer ser jornalista, do advogado que quer ser DJ, onde se vê o mundo de outra perspectiva. Ali se namora, se empreende... E tem gente que usa o Second Life para coisa séria, assuntos de comunicação corporativa, estudos...”


A empresa que ingressa no Second Life deve estar alinhada com seu perfil na vida real ou deve se permitir levar para lá uma identidade e até um segmento de atuação totalmente diferentes do que tem na vida real, dentro da idéia de experimentar uma segunda vida?
Cada empresa é um caso. Algumas delas se permitem uma liberdade, uma flexibilidade maior. Tem algumas já brincando e sendo um pouco mais criativas com a sua marca, como a Adidas. Elas cultivam uma liberdade maior, têm uma postura mais descontraída, de acordo com o perfil do seu público-alvo, e conseguem ter um posicionamento diferente sem que isso agrida seu compromisso no mundo real. Mas isso não vale para todas as empresas. Imagine uma determinada loja que segue um padrão rígido para a arquitetura de todos os seus pontos-de-venda. Talvez aquela arquitetura, que é um símbolo no mundo real, não faça sentido no ambiente virtual, pois os avatares voam...

Como é a relação que os avatares brasileiros têm com o dinheiro?

O Second Life é como se fosse um país pobre. Lá dentro, com um dólar você faz a festa, pois é muito dinheiro. Os itens que você compra são vários, se você transforma seu dinheiro em Lindens, a moeda do Second Life. Ali, o custo de tudo está desproporcionalmente barato. Um carro no Second Life é muito mais barato do que no mundo real. Há gente comprando helicópteros, uma casa legal. Mas há aquele tipo de gente que não está interessado em gastar. Quer poupar. Esse usuário já chega perguntando como ele faz para arranjar emprego, sai aprendendo algum oficio. E a gente percebeu que esse tem sido um comportamento muito comum entre os brasileiros. O foco deles está na dimensão econômica.

O brasileiro entra pensando em ganhar dinheiro virtualmente ou de verdade?
Tem um pouco dos dois casos. Para algumas pessoas trabalhar numa nova profissão, numa nova vida, é uma coisa gratificante em si, não havendo a necessidade de uma compensação material. Por exemplo, pegue o caso de um químico que resolva escrever uma matéria para um jornal. Ele acha que tem um texto bom e percebe que tem mesmo, pois as pessoas gostam. Aquilo para ele significa uma satisfação pessoal: é uma linha existencial que ele não seguiu por detalhe. Um dia, a vida dele se bifurcou e ele não foi ser jornalista e sim químico. Só aquele reconhecimento, para ele, já é gratificante. Mas tem gente que imagina como tirar dinheiro lá de dentro, ou seja, vendendo moeda virtual para ganhar moeda real. Tem casos de avatares que dão expediente no Second Life, em lojas, por exemplo. Tem gente que fica um dia inteiro numa loja, vendendo coisas...

Sob esse ponto de vista, o presidente de uma empresa pode “reencarnar” no mundo virtual como um funcionário do chão de fábrica.
Sim. Ali dentro, pode-se ser o que quer que seja, em termos de emprego ou cargo. É até interessante para você saber como funciona o dia-a-dia das outras profissões. Trabalhar como fotógrafo, por exemplo, sem nunca ter sido um. Você pode ver o mundo de diferentes pontos de vista. Se você tem condições de testar e ver como funciona a visão de mundo através de outra profissão, é sempre mais enriquecedor. No caso de um presidente que quer ser um funcionário, é uma chance que ele tem de olhar a filosofia da empresa de um outro ponto de vista.

Por Marcos Graciani
Fonte: Amanhã.

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