Usuários do Second Life estão levando a sério a brincadeira de criar lares imaginários. Para alguns, essas casas online representam suas fantasias de ter uma 'casa de revista'.
Da cobertura em estilo de casa de campo mexicana de Sherman Ochs no topo de uma colina com uma brisa agradável, pode-se ver toda a ilha de Jalisco, com uma população de 20 pessoas, estender-se abaixo. É um lugar pitoresco, com coqueiros, grama viçosa e céus quase sem nuvens. E, é claro, com as areias perfeitas em volta da lagoa onde os moradores rebolam seus corpos perfeitos em uma fila, dançando conga nus. Não é exatamente real, é claro: Ochs é Don Ainsworth, um professor de música aposentado que vive em Ventura, na Califórnia, e Jalisco é um “sim” (abreviação de simulação), um terreno em Second Life, o mundo virtual lançado em 2003 pelo Linden Lab, uma companhia de São Francisco.
As centenas de milhares de usuários do Second Life podem se teletransportar à vontade, transformar-se em dragões e mudar radicalmente sua aparência com alguns cliques. Eles construíram cidades, criaram coleções de roupas e programaram seus avatares – os personagens que os representam no espaço tridimensional de Second Life – para cavalgar, dançar e fazer sexo.
Mas numa terra onde os moradores podem fazer praticamente de tudo, muitos parecem estar buscando objetivos mais mundanos. Depois de alguns meses dançando a noite toda nas boates, espalhando sua “semente” virtual e vivendo como se fossem criaturas do “Senhor dos Anéis”, eles estão se acalmando: construindo casas virtuais, fazendo jardins, comprando móveis e eletrodomésticos e decorando suas casas. Eles estão levando a sério a brincadeira de criar lares imaginários.
Para chamar de lar
Para alguns, essas casas online representam suas fantasias de ter uma casa de revista. De fato, Second Life agora tem sua própria revista de decoração, a Prim Perfect, publicada por uma usuária, que mostra algumas das mais ricas residências do mundo virtual. Mas para muitos outros, como a maioria dos moradores de Jalisco (cujo nome deriva de um Estado mexicano), uma casa é acima de tudo um lugar para relaxar, divertir-se com os amigos e experimentar com a decoração.
Foi em junho que o simpático avatar de Ainsworth, que tem uma cabeleira loira e peito peludo à mostra através de sua camisa havaiana permanentemente desabotoada, dediciu comprar uma “casa” depois de meses se divertindo. “Eu estava apenas flertando em Second Life”, disse ele numa entrevista em seu terraço virtual em Jalisco a DonCamilo Rodenberger, o avatar desse repórter, que identificou-se nas entrevistas como um jornalista do New York Times. “Um lugar para chamar de lar não era tão importante no início. Mas depois de um tempo, pareceu uma boa idéia”.
Ainsworth tem amizade já faz tempo com a empreiteira de Jalisco, uma avatar quase sempre com pouca roupa chamada Rooby Begonia. Sua criadora, Brenda Beach, 46, é uma dona-de-casa de Issaquah, Washington, cujos filhos já saíram de casa, e passa de quatro a oito horas por dia em Second Life. Além de desenvolver a ilha – ela pagou US$1.200 para o Linden Lab para ser a proprietária da mesma – ela atua como prefeita e diretora de cruzeiros, fazendo cumprir as leis e juntando os habitantes locais para fazer um social. Em muitos casos, ela os ajuda a construir e decorar suas casas, sem custo nenhum.
Custa cerca de 55 mil dólares de Linden, ou Lindens, o equivalente a 200 dólares, para comprar um terreno de Beach em Jalisco, e depois algo entre 25 a 40 dólares por mês para pagar o equivalente a um “condomínio”, que ajuda Beach a pagar suas taxas sobre o terreno ao Linden Lab. (Lindens podem ser trocados por dólares em casas de câmbio online e até mesmo nos caixas eletrônicos de Second Life; o câmbio, que flutua de acordo com as forças do mercado, está atualmente em 275 Lindens para cada dólar.)
As casas, por outro lado, são baratas, assim como a mobília – uma mesa, por exemplo, pode custar um ou dois dólares do mundo real, um tapete pode custar de dez e quinze centavos de dólar. A casa de Ainsworth, um modelo pré-fabricado que veio com o terreno e foi comprado por Beach da Fisher Construction, uma “empreiteira” de Second Life, custa apenas 1.400 Lindens, um pouco mais de 5 dólares para comprar, e cerca de 20 dólares para mobiliar.
A sala de estar de Ainsworth é imaculada, decorada com mobília em estilo colonial espanhol da loja de móveis Town & Country Furnishings, uma loja na área comercial de Doesburg sim; o próprio Ainsworth “construiu” sua lareira de tijolos à vista, disse ele, em cerca de uma hora. (Sua casa em Ventura, segundo ele, é decorada com “peças de latão e vidro do fim dos anos 80.”)
Mas a parte mais impressionante da casa é o lado de fora: três varandas, com uma banheira quente, uma pista de dança e um bar. Como a maior parte das pistas de dança de Second Life, a de Ainsworth tem “bolas de dançar”, órbitas flutuantes que os usuários podem clicar para fazer seus avatares dançarem. Não existem maus dançarinos em Second Life.
Construção e decoração
Alguns usuários de Second Life escolhem construir suas casas e mobília do zero, mas isso pode ser frustrante: eles podem ter de passar horas praticando, e freqüentemente ter de tomar aulas de Second Life para dominar a habilidade de transformar os chamados objetos primitivos, ou “prims” – blocos de construção básicos do mundo virtual, que têm formatos de esferas, cones e cubos – em formas mais complicadas, que podem se combinar para fazer objetos úteis.
Apesar de muitas pessoas aprenderem essas habilidades, o crescente interesse em Second Life criou um mercado de casas pré-fabricadas como a de Ainsworth, construída por arquitetos e empreiteiros virtuais. (Existem dezenas de grupos de arquitetos em Second Life, como nomes como Arquitetos do Mundo Real em Second Life e Sociedade de Arquitetura Virtual.)
A situação também levantou algumas questões filosóficas: já que niguém come em Second Life, há necessidade de cozinha? Um banheiro é de fato necessário? Já que você pode se teleportar, precisa de escadas? Se ninguém dorme, os quartos são necessários? As respostas variam, mas a maioria opta por pelo menos um quarto (apesar de não para dormir).
Para qualquer um com um pouco de bom gosto, decorar uma casa é muito fácil em Second Life. Lojas de móveis, aparelhos eletrônicos, arte e jardim são abundantes, como a loja Mission Home em Tiltir Sim, com sua mobília em estilo americano do início do século 20, e a Classic Creations by Isabella, um showroom em Caprera sim que tem tapetes e salas de estar. E os compradores não têm o incoveniente de dirigir e estacionar, já que podem se teleportar para qualquer loja em questão de segundos.
Hanna Hails (à esquerda) é a dona do avatar Mercedes Georgetti
e tem um jardim cheio de flores em Second Life
e tem um jardim cheio de flores em Second Life
A casa de Ainsworth ainda não está acabada – as paredes do quarto estão nuas exceto por uma única tapeçaria – mas seus vizinhos Earl Semaphore e Candy Flanagan (os avatares de Richard Lucas, um oficial de condicional escocês de 54 anos, e Carmen Clasen, uma estudante universitária de 22 anos de Blairsville, que mora na Alemanha) estão bem instalados em sua casa.
Melhor que a vida real
Suas casas na vida real nem chegam perto da que eles têm em Second Life, disseram Lucas e Clasen. A “casa típica escocesa” de Lucas, que ele divide com sua mulher na vida real, é “pequena para os padrões americanos”, disse ele. Clasen e seu marido moram em um prédio de apartamentos. “Gosto de ter minha casa própria em Second Life”, diz ela. “Meus recursos são praticamente ilimitados, e sou capaz de construir o que quiser e redecorar do jeito que eu gosto.” Talvez por causa da facilidade em redecorar, seja muito mais difícil encontrar decoradores do que construtores ou empreendedores imobiliários em Second Life.
“Poucas pessoas contratam alguém”, diz Pauline Wooley, uma funcionária administrativa que trabalha meio período na Universidade de Oxford, que publica um blog e uma revista sobre decoração em Second Life, ambos chamados Prim Perfect, acessível em www.primperfect.net, assinados por sua avatar Saffia Widdershins. "A maioria pensa apenas ‘cama, cadeira’ e pega o que aparece na frente.”
De acordo com Wooley, editora da Prim Perfect, freqüentemente há pouca relação direta entre a casa real e virtual de alguém, e a principal função na vida real de ter uma casa em Second Life é a de ser uma ferramenta para a fantasia – apesar de que, em muitos casos, a fantasia não passa assim tão longe da realidade.
“Existem pessoas que escolhem castelos, palácios, o mundo da fantasia”, diz ela. “Mas muitas, muitas pessoas compram uma boa casa num bairro nobre, algo que eles podem experimentar na vida real”. Outros procuram coisas diferentes. De todas as casas em Jalisco, a de Beach é provavelmente a menos fantástica, mobiliada apenas com algumas cadeiras e uma cama. Ela chama a casa de “nosso barraco”.
Um novo marido... virtual
Apesar de seu marido na vida real, Prodipto Roy, ser um testador de vídeo games, ele não passa tanto tempo com ela no mundo virtual. Ele experimentou Second Life por algum tempo, disse ela, mas a necessidade de construir um lar online nunca o fisgou. “Ele não gostou porque não há nada para matar aqui”, disse ela. Em vez disso, ela divide sua casa em Jalisco com Seth Schlegal, o avatar de Richard Siegel, um engenheiro de sistemas de Auburn, Califórnia, seu segundo marido em Second Life. Eles se conheceram quando ela ainda estava com seu primeiro marido de Second Life e rapidamente se tornaram amigos, casando-se logo depois do “divórcio” dela.
A casa deles é cheia de guaxinins, por causa de uma piada de esposa. Uma noite, quando Beach estava conversando com Siegel por telefone via Internet, enquanto eles estavam em Second Life, ele se queixou de que havia muitos guaxinins do lado de fora de sua porta na vida real. Mais tarde, ela encontrou um desenho de guaxinim em uma empresa popular de Second Life, a Textures R Us, e infestou a casa, desde o páteo até o quarto. “Quando ele descobriu, achei que ele fosse morrer de tanto rir”, disse ela. Por sua vez, Roy, como muitos outros maridos reais de bígamos virtuais, parece despreocupado com os casamentos extra-conjugais de sua mulher. “O que acontece em Vegas, termina em Vegas”, diz ele. “Você é uma pessoa completamente ficcional em Second Life.”
Escrito por Seth Kugel, do New York Times via G1.
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